Servente de Pedreiro


Ele era servente de pedreiro, negro e com pouca escolaridade, o que lhe restava para sustentar a mãe e a si, era carregar latas de cimento. Mas não fazia nada, absolutamente nada, revoltado. O sorriso e o bom humor chegavam a contagiar. Eu era garoto, e conheci o Armando quando ele trabalhou na construção da casa dos meus pais. Enquanto eu tinha 16 anos, ele tinha 19, mas a vida que lhe foi imposta, talvez pelo destino, havia feito dele um homem responsável. Nos dias que ameaçava chuva, muitas vezes ele pedia ao meu pai, para sair um pouco mais cedo, porque o barraco onde moravam numa favela, era bem na beirada do morro, e com a chuva havia grande chance dele desabar. Então, ele costumava amarrar o barraco numa árvore que tinha a poucos metros de distância da sua casa. Certa vez eu perguntei como ele amarrava o barraco, se havia algum gancho em alguma parede, para ele passar a corda e amarrar, e ele me disse que o barraco era do tamanho do meu quarto, que não era grande, e ele passava a corda em torno do barraco, e prendia na árvore. Depois, era torcer para dar certo e não rolar morro abaixo.

Ele era negro, daqueles negros bem pretos, forte fisicamente, e tinha uma disposição de fazer inveja.
A obra terminou e nunca mais nos vimos.
Passados 30 anos, num domingo, toca a campainha, e normalmente quando isso acontece, abrimos uma janela da parte de cima da nossa casa, que fica bem perto da rua, e de lá é possível conversar com alguém que esteja no portão.
Perguntei quem era e do que se tratava. Ele disse, sou o Armando que trabalhou nesta casa, com o Sr. Roque, lembra de mim Alceu?
Olhando para ele, não fui capaz de reconhecer. Era um rapaz de descendência negra, mas muito claro para ser o Armando. Mesmo assim, desci e fui atendê-lo. Ao abrir o portão, o sorriso seria inconfundível, de fato era ele, o Armando, mas havia ficado muito mais claro.
Começamos a conversar, meu pai chegou nesse momento e o Armando se emocionou ao vê-lo. Estava de carro, um bom carro novo, provavelmente do ano, e disse que não amarrava mais o barraco na árvore, e demos muita risada.
Nos contou que com muita dificuldade conseguiu estudar, se formar, e que agora era um contador, que tinha um escritório próprio, tinha casa própria, carro novo e que estava casando sua filha mais velha, que também já tinha uma casa que ele deu a ela.
Perguntei porque ele nao era mais tão negro quanto na época em que nos conhecemos, ele sorriu e disse que a cor dele era bem escura porque vivia no sol, mas que agora que havia se tornado "mocinho de escritório", tinha embranquecido.
Nem todos conseguem o feito que o Armando conseguiu, todos lutam, alguns vencem a luta da vida, outros empatam, e alguns caem antes da luta terminar, por exaustão ou desistência. 

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