Meu Livro
Eu, troco lâmpadas, e vocês?
CAPÍTULO I
Minha vida é absolutamente comum, não tem nada de especial.
Nasci numa típica família de classe média, onde mentimos quase sempre sobre quase tudo, mesmo quando mentir é apenas uma necessidade de se justificar diante do espelho…
Muita gente acha que um escritor é um fulano que lê muito; eu pelo menos, sempre achei isso!
Eu li ao longo da minha vida alguns, e com muito orgulho vou listá-los abaixo:
"As aventuras de Pedro Malasartes"
"Eram os deuses astronautas?"
“A revolução do bichos”
“Quem mexeu no meu queijo?”
"O físico"
"O último judeu"
"Sidarta"
Li alguns livros espíritas e várias bulas de remédios também.
Minha biblioteca, bastante compacta, caberia facilmente em uma mochila pequena. Este sou eu, e mesmo assim tenho muita coisa para contar!
Nasci assim, filho único, depois de 10 incansáveis anos de infindáveis tentativas de engravidar. Quando estavam desistindo, no ápice da exaustão, eu me dignei vir ao mundo; sei lá, era o meu momento. Não sei se quando nascemos podemos escolher a data da inauguração, mas eu escolhi dia 15 de fevereiro, e resolvi nascer às 00:15h porém em horário de verão, e aí, logo na minha inauguração, já começaram as incoerências na minha vida. Legalmente sou nascido no dia 15, mas na verdade, se não houvesse horário de verão, eu teria nascido no dia 14 às 23:15h. É o suficiente para prever que a minha vida seria uma surpresa e tanto!
CAPÍTULO II
Meu pai era um baú cheio de perspectivas, e de milhares de ideias, que faziam dele, um excelente partido.
Minha mãe, bem, minha mãe não era nada disso. Ela gostava de trabalhar, tinha potencial, mas fazia absoluta questão de agradar os preceitos de boa moça e acariciar ternamente os conceitos da sociedade. Vou explicar melhor para que não haja dúvidas.
Minha mãe, nunca deveria ter se casado.
Ela deveria até ter tido um filho, até com meu pai, mas nunca deveria ter se casado.
Esse foi seu erro capital. A vida obrigou-a ser independente logo cedo, largar o bordado em prol do sustento da família, e de repente, ela se rende aos padrões sociais e se torna, acreditem, uma dona de casa. Bem medíocre diga-se de passagem.
Creio ter sido uma mulher infeliz. Não! Não pensem que a culpa foi do meu pai, ele foi tão vítima quanto ela, assim como quase todos nós. A vida nos engole, nos embroma, nos engana, com suas regras sociais que ninguém sabe de onde vem, mas que nos dominam e nos levam, na maioria das vezes, ao caos.
Essa é a vida da maioria das pessoas, e a dos meus pais não seria exceção.
Imaginem vocês, que certa vez ela foi acompanhar uma amiga em uma entrevista de emprego. Na época dela, as coisas eram mais light nesse quesito, ir junto e participar do processo, era algo considerado normal.
Bem, a certa altura dessa entrevista, o gerente da agência bancária já estava querendo contratar minha mãe, ao invés da amiga.
Não causou problema na amizade delas, mas mostra claramente que a minha mãe tinha potencial para ser uma profissional.
Minha mãe não gostava de quase nada. Não gostava de comer, não gostava de beber, não gostava de cuidar da casa, odiava a cozinha, detestava levantar cedo, não gostava de pregar botões e nem tampouco de ser contrariada. E esse último traço da sua personalidade, era de fato o mais marcante.
Como podem perceber, ela não gostava de nada que se relacionava com a casa, a família e os cuidados. Sinceramente não sei do que ela gostava, mas tenho a impressão de que a praia dela era bem diferente de tudo isso.
Às vezes eu tinha a impressão, que ela sonhava em ser madame, com mordomo e mordomias. Talvez ela curtisse esse "modelo" de dona de casa. Aquele modelo convencional, da tradicional família classe média brasileira, tenho minhas dúvidas.
Meu pai tentou, realmente se empenhou para realizar esse sonho dela, o de ser madame, mas o resultado não foi bem o esperado. Mesmo assim, posso dizer que durante a maior parte da vida deles, eles viveram numa condição financeira bem legal.
Eu diria que numa escala de 0 a 10, eles tiveram uma vida 7,5. Daria pra dizer que eles mandaram bem, certo?
CAPÍTULO III
Tava indo tudo bem. Só não conseguiam ter um filho, e um casal na década de 50 ou 60 sem filhos, era um carro sem motor, não servia para nada!
Aliás, acho que até hoje as coisas não mudaram tanto assim.
Vocês aí que tem filhos, já se perguntaram porque tem filhos?
Baum, vamos nos ater às minhas questões, as de vocês são de vocês. Em 1964 eu resolvi que estava na hora de ocupar um lugar neste mundo, e caí aqui, nesta porra, provavelmente em queda livre, em meio a grandes turbulências, e o impacto deixou sequelas, muitas sequelas!
Cresci sendo muito observado, mais precisamente vigiado, e com o tempo acabei adquirindo técnicas de despistar o inimigo, dignas dos mais competentes agentes internacionais. Eu era um moleque esquisito. Quando alguém me mostrava algo que atrairia a atenção de qualquer criança, eu dizia: Ah tá. Eu já conheço. E conhecia? Sim, pior que sim!
Quase nada era novidade para mim. Não sei dizer, mas parece que nesse mundo, não existem grandes novidades, pelo menos para mim.
A escola então, era um saco!
Eu não suportava ficar dentro de uma sala de aula, quieto e atento.
Mas vamos deixar o "momento escola" para um capítulo especial e, diga-se de passagem, longo.
Vamos nos ater a outras questões, essas eu quero muito contar neste momento.
Ser filho único não deveria ser sinônimo de solidão. Claro que os irmãos não devem servir apenas para discutir e dedurar a gente, devem servir também para fazer companhia, mas a minha solidão era, talvez, uma questão de talento.
Brincava com os primos, na represa fazíamos barcos com bóias de câmaras de pneus, pescávamos, brincávamos no barro, estilingues, etc
Eram assim os finais de semana, todos!
Apesar de sempre muito parecidos, a liberdade que eu ganhava ao vir para a chácara, não tinha preço.
Porque em casa, as coisas eram bem diferentes. Aceitar convites de amigos para brincar na casa deles, nunca aconteceu. Nem adiantava ter vontade, não me deixariam ir. Sempre havia uma desculpa, ora porque era longe, ora porque as companhias nunca eram boas o bastante para mim.
Meus amigos, sem dúvida, eram os mais perigosos do planeta! Nunca vi tantas críticas a eles.
A cara da minha mãe era a pior de todas!
Nem quando minha avó morreu a cara da minha mãe ficou tão feia. Ela odiava todos eles, simples assim.
Quando iam embora, começavam os longos sermões sobre as más condutas dos amigos e, obviamente, o explícito mau caráter de todos eles!
Às vezes me perguntava porquê meus amigos eram tão ruins assim, visto que eu estudava em excelentes colégios justamente para que, além da boa educação, tivesse bons relacionamentos de amizade!
Pois é, as incoerências que sempre permearam a minha vida.
Decidi, então, não conflitar. Aceitar a solidão e as amizades superficiais dentro do colégio, e me fechei num mundo apenas meu, onde toda essa doidera externa não me atingia. Isso explica porque eu não acompanhava nada que estava na moda. Nem roupas, nem música, nem tendências, nem gírias, nada! No meu mundo isso não existia.
Algumas coisas eu via nos meus primos. Eles eram diferentes. Meu pai cortava meu cabelo tipo exército e no final de semana eu via meus primos cabeludos. Achava legal, mas meu pai não. Deixava pra lá.
Não fazia tanta diferença, a não ser quando alguém na escola perguntava o porque do meu cabelo ser muito curto, e eu respondia da forma mais idiota possível: Porque corto todo mês.
A chácara, como nós carinhosamente chamávamos, era um bom terreno de cerca de 8 mil metros quadrados na beira da represa de Guarapiranga em São Paulo.
Na época que meu pai comprou esse terreno, eu estava na barriga da minha mãe.
Então, posso dizer que tive contato com essa propriedade ao longo de toda a minha vida, incluindo o período de gestação.
Na chácara, naquela época, haviam pouquíssimas pessoas morando no entorno. Ainda não existiam os bairros, eram apenas chácaras e nada mais. Era um gato pingado aqui, outro ali. Aos poucos, depois de anos que já frequentávamos aqui, algumas chácaras de terrenos grandes, começaram a ser loteadas em terrenos pequenos, que foram vendidos, trazendo para cá, um monte de pessoas que estavam começando suas vidas, e por terem pouca condição financeira, acabavam vindo morar em regiões como esta, distantes de tudo.
Mas aqui onde a nossa chácara estava localizada, só haviam 7 terrenos e nada mais.
A estradinha que dava acesso era péssima, e quando chovia, só entrava ou saía com correntes nos pneus do carro.
Isso era assustador!
O carro derrapava, chegava a bater as rodas no barranco, e meu pai, que sempre foi meio doido, dava um certo toque especial à essa aventura, tornando-a mais perigosa que já era.
Mas passada a agonia do trajeto, o local era encantador.
Tínhamos frente para a represa, o que nos dava um imenso leque de opções para brincar e se divertir.
Como era um lugar afastado da cidade, de difícil acesso e a civilização ainda não havia chegado até aqui, nossos pais não tinham nenhuma preocupação com o que estávamos fazendo, nem onde.
A casa era bem simples, não tinha energia elétrica, usávamos gerador. A água era de poço, e a casa era uma sociedade entre meu pai e o irmão, que era meu padrinho.
Por isso eu brinquei tanto com meus primos. Estávamos juntos sempre, todos os finais de semana e nas férias também.
Era uma casa quadrada, com telhado de duas águas, tijolo à vista, forro de estuque que havia sido feito pelo meu avô, pai do meu pai. Tinha uma boa sala e uma cozinha no centro, de uso comum, e em cada lado da casa haviam 2 quartos e um banheiro, sendo 1 apartamento desses para cada família.
No caso do meu tio que tinha 3 filhos, o quarto era dividido entre eles com 2 beliches.
Isso dava privacidade para as famílias, e o resto do tempo usávamos sala e cozinha tal qual uma república de estudantes.
Era bem divertido, mas vez ou outra o pau comia entre os adultos.
O lote onde foi construída a casa, fazia parte da sociedade entre os irmãos e correspondia a cerca de 20% dos 8 mil metros quadrados. O restante do terreno era do meu pai e meu padrinho não tinha nenhuma participação nisso.
Quando chegávamos, não importava a hora, era necessário ligar o gerador que ficava num porãozinho embaixo do terraço da casa. Ligar a bomba do poço, encher a caixa d’agua, carregar as baterias que mantinham lâmpadas 12V para iluminar a casa depois que desligavam o gerador na hora de todos irem dormir. Era um sistema bem interessante, criado pelo meu pai, claro. Nos lustres da casa, em todos os cômodos, existiam 2 tipos de lâmpadas: As comuns, 110V que eram alimentadas pelo gerador, e uma lâmpada de carro, da lanterna de carro, que era usada para iluminar os cômodos com o gerador desligado, usando baterias como fonte de energia. Dessa forma, podíamos desligar o gerador e tínhamos iluminação na casa, por poucas horas, para escovar os dentes e ir para cama. Se fosse necessário levantar à noite por algum motivo, havia iluminação dessas lâmpadas para ir até a cozinha por exemplo.
A geladeira era a gás. Um sistema bastante interessante, mas que até hoje não entendo como funciona. Era bem trabalhoso dar o pontapé inicial ao final de semana. As compras eram tiradas do carro, as malas com as roupas, arrumavam-se as camas, e só então poderia se dizer que estávamos devidamente instalados. Isso era toda semana! Minha mãe achava insuportável essa “mudança” toda semana, para teoricamente, aproveitar o sábado e o domingo.
Mas de fato devia ser muito cansativo. Esse foi o motivo mais forte, que mais tarde, fez com que minha mãe concordasse em vir morar aqui. Não era o que ela realmente queria, mas pelo menos se livrava desse trabalhão todo. Fazia muito sentido.
Imaginem vocês, que morar aqui, para minha mãe, não era uma opção desejada, visto que morávamos na cidade, onde ela podia circular, sair para dar uma volta, fazer compras. Ela tinha muito mais liberdade, e morando aqui, era uma espécie de exílio da vida inteligente, pelo menos para ela.
CAPÍTULO IV
Em casa meus pais não ouviam música. Meu pai comprava equipamentos de som de última geração, importados, mas não usava. Eram para mostrar às visitas nas festas de aniversário.
Nessa época eu já estudava violão clássico e como era absolutamente desprendido das tendências sociais devido ao meu isolamento compulsório, escolhia minhas músicas por gosto pessoal. Resultado disso: Quando todos escutavam rock e discoteca, eu escutava samba e bossa nova. Um dia desci do prédio onde morava, e em frente, do outro lado da rua, havia uma casa de discos.
Entrei, peguei um que tinha na capa "Discotheque". Eu ouvi e gostei muito!
Comprei o disco, mas não sabia que estilo era aquele, só sabia que o disco chamava:
Disco The Que, só que tudo junto, provavelmente uma espécie de "liberdade poética?!". Não entendia o que isso queria dizer, porque misturava inglês com português: Disco the, era em inglês, mas o "que" me deixava intrigado porque era em português e os caras cantavam todas as músicas em inglês. Fiquei quieto, não comentei com ninguém na escola, até que um dia, subindo as escadas rumo a sala de aula, ouvi dois colegas falando que haviam comprado o último disco, discoteque….
Disco the que!!! Estava desvendado o mistério, eu agora tinha um disco de música discoteca! Uhu!
Finalmente pude dizer aos colegas que tinha comprado esse disco também e que era muito bom!!!
Me lembro como hoje a sensação de fazer parte da turma, porque até então eu escutava Benito de Paula, que eu adorava, mas que nenhum dos meus amigos conhecia, entre outros que eu nem citava.
Chegar da escola, fingir que estava estudando, dormir babando em cima de um livro qualquer e depois sair para andar de bicicleta.
Minha mãe me pedia para não sair de perto do prédio onde morávamos. Isso era bem fácil, tendo em mãos a cobiçada Caloi 10! Só ela pra achar que eu ficaria andando em volta do prédio com uma Caloi 10. Não sei se ela acreditava, ou se ela queria acreditar.
Da minha parte, era bem mais fácil dizer que sim do que ter que defender tese dos “porquês” de não fazer uma idiotice dessas.
Eu concordava, apenas concordava, e assumia o risco de ir tão longe quanto possível.
Era o meu momento de liberdade, e não abria mão dele.
Nessa época morávamos na R. João Cachoeira no itaim bibi, em São Paulo.
Era um excelente apartamento até mesmo para os padrões da época.
Sim, porque nessa época não existiam cubículos como os de hoje. Os apartamentos, por menores que fossem, cabiam móveis e as pessoas dentro.
Era um apartamento com uma bela sala, uma boa cozinha, uma área de serviço grande, e tinha quarto e banheiro de empregada.
Na famosa "parte íntima", tinham 3 dormitórios sendo uma suíte e 2 dormitórios com um banheiro.
Meus pais, detentores da escritura, usavam a suíte e eu, outro quarto.
Um dos quartos era uma saleta onde tinha uma cama armário para visitas, e a minha aparelhagem de som. Minha, porque era eu quem realmente usava.
Era nessa saleta onde eu passava as noites debruçado num gravador fazendo fitas cassete com músicas oriundas do FM.
Nessa época, as rádios tocavam muita música estrangeira, mas de madrugada, o repertório mudava, e com paciência se conseguia gravar Chico Buarque, Toquinho e Vinícius e outros.
A música permeou minha vida desde sempre, e eu gostava de passar madrugadas colecionando pérolas da MPB.
Muitas vezes fazia de conta que estava tocando, mais ou menos algo parecido com uma dublagem. Em geral eu colocava Toquinho e Vinícius ou Tom Jobim para escutar. Até o dia em que meu pai abriu a porta e lá estava eu, feliz, fazendo de conta que era um grande músico. Ele tirou sarro de mim, fez gozação do que eu estava fazendo, e isso me marcou como uma grande vergonha. Não sei se foi esse o motivo que me levou a me tornar violonista mais tarde, talvez inconscientemente quisesse provar para mim mesmo que era capaz de fazer sem precisar dublar. Não tenho tanta certeza disso, mas é uma hipótese a ser avaliada com cuidado.
CAPÍTULO V (Terça, 7 dezembro, 2021)
Colecionava maços de cigarros. Ía no caminho procurando maços e caixinhas de cigarros, e trazia todos para casa! Era uma coleção ecológica e ambiental de certa forma. Eu limpava ruas e calçadas, e ao mesmo tempo fazia uma coleção.
Como eu morava no itaim bibi, próximo ao Jardim América onde eu estudava, os maços e caixinhas de cigarros encontrados eram de marcas, em geral importadas.
Mas tinha uma região do itaim bibi, próximo à Vila Olímpia, que naquela época ainda não era uma região dita “nobre”, então haviam ali algumas fábricas, entre elas a do meu tio Miguel. Um cara que merece ser lembrado mais adiante.
Mas, nessa região eu conseguia maços de cigarros mais populares, o que tornava minha coleção, além de eclética, altamente diversificada.
Andar de bicicleta, era sempre sozinho. Depois de algum tempo, eu fiz amizade com um garoto da escola, tão ou mais esquisito que eu: Dimianos. Esse era o nome dele. Era um cara sozinho assim como eu, e os sozinhos quando se juntam, deixam de ser.
Mas ele morava na região mais pobre, digamos assim, do Jardim América, onde haviam casas antigas e até casas com apenas uma porta para a calçada, e a casa dele era um desses casos. Começamos a andar de bicicleta juntos, e por mais de um ano essa amizade foi muita boa para mim, e creio que igualmente para ele. Íamos de bicicleta até a Avenida Rebouças, onde supostamente moravam duas meninas de nomes parecidos: Uma, Luciana, a outra, Luciene. A Luciene era filha do antigo dono da fábrica de tênis Makerly. Eu achava essa menina absolutamente linda, e o Dimianos gostava da outra. Para facilitar nossas conversas, a Luciene era “Lelê”, e a Luciana, “Lalá”. Passávamos horas em frente aos prédios das duas, revezando, ora num ora noutro, na tentativa de vê-las saindo do prédio e quem sabe, tentar uma aproximação. Nunca deu certo. Mas isso ocupava nossas horas e nos trazia bastante tempo para refletir sobre a vida. Pois é, refletíamos sobre a vida.
Não era simplesmente sobre a futura carreira profissional, mas avaliávamos as famílias, os conceitos sociais, discutíamos nossas criações e até mesmo o futuro que poderia estar reservado a cada um.
Nenhum dos dois havia namorado uma menina até então. Nunca tínhamos beijado, e muito menos transado. Alguns garotos e garotas da minha classe, já eram experientes nesses assuntos, e isso distanciava ainda mais os possíveis laços de amizade entre eu e os “experientes”. Eu, particularmente, não fazia muita questão.
Nessa época do ginásio, essa escola onde eu estudava, Colégio São Norberto, era um colégio bem pequeno, e como o pátio também era restrito, a diversão na hora do recreio era jogar Ping-Pong. Haviam duas mesas, e praticamente todos jogavam. Quem jogava melhor, passava mais tempo na mesa. Eu me especializei nesse negócio aí. Era bom de raquetadas, tinha um reflexo muito rápido. Aqui o Dimianos era bem ruim.
Era um colégio católico, o diretor era um Cônego, e a maioria das professoras, eram madres.
No Colégio São Norberto estudava comigo, um outro primo, que não era primo de sangue, mas primo por afinidade. Nossos pais eram amigos de muitos e muitos anos, e quando se casaram e tiveram filhos, se auto intitularam “tios”.
Esse era o Edalmo, filho do meu tio Edalmo. Tio Edalmo era dentista dos bons, um cara que criava os filhos de uma forma que eu adoraria ser criado, obviamente porque era totalmente diferente da criação dos meus pais.
Qual era a diferença? Simples! Ele tinha liberdade.
Meu primo Edalmo, o Dadá, era totalmente livre. Tinha Mobilete, saía com os amigos, até mesmo de noite, tinha dinheiro no bolso. E eu, “o encarcerado”.
Não sei ao certo qual dos dois métodos de educação seria o mais correto.
Mas eu, preferia o método Edalmo.
A princípio achávamos que estudaríamos sempre juntos, meu primo Edalmo e eu. Não pensem que éramos muito chegados, ou que vivíamos juntos. Na escola, ele era enturmado com os colegas, eu não. Isso era justificável, visto que ele tinha liberdade para frequentar a casa dos amigos e os amigos a casa dele, e eu não tinha essa chance. Mas, era bem legal quando alguém perguntava e dizíamos que éramos primos. Quando acabou o ginásio, fomos prestar uma espécie de prova de admissão para o colégio Dante Alighieri. Naquele ano o Dante havia aberto uma exceção para aceitar alunos dessa forma, explico: No Dante, você entrava no pré-primário e passava lá dentro toda sua vida escolar. Ninguém entrava no Dante com o “bonde andando”, mas naquele ano resolveram mudar esse conceito, e fizeram a tal prova de admissão. Eu passei, o Dadá não. Foi quando nos separamos definitivamente.
Nesse ano, o Dante foi inundado por todo e qualquer tipo de alunos oriundos de outros colégios. Foi um risco, visto que a população que habitava o Dante Alighieri era formada por garotos da alta sociedade, mas bem educados. Com a invasão alienígena, permitiram que parte da escória escolar de outros colégios, coabitassem com os pacatos cidadãos Dantenianos. Isso foi um verdadeiro desastre. Eu era apenas o tipo de aluno indisciplinado mas considerado de boa índole. Meu nível de periculosidade era baixo. No entanto, o nível de periculosidade dos demais, era muito alto. Para terem uma ideia, na minha sala, formada por uma maioria esmagadora de bagunceiros, logo no primeiro ano, resolveram jogar um pesado apagador de lousa em um dos ventiladores de teto. O apagador foi lançado contra a janela quebrando inicialmente o vidro. Mas a pá do ventilador, que havia entortado o fez se desprender do teto e arruinar o quadro negro e a porta. E estavam só começando.
Me senti um amador diante de toda essa bagunça. Eu era apenas um cara chato que tinha mania de conversar durante a aula, e tirar sarro de quase tudo que o mestre falava, e só. Alguns foram expulsos logo no primeiro ano. Mas haviam dois alunos, que eram irmãos, filhos de gente muito rica e que eram extremamente violentos. Eles, por algum motivo, me odiavam. Certa vez eu estava andando sozinho de bicicleta pela região do Jardim Europa, local onde eles moravam. Eles estavam de carro, com chofer e me avistaram. Puseram a cabeça para fora do carro, gritaram meu nome e começou a perseguição. Eu não sabia o que poderiam fazer, visto que uma vez vi um deles exibir uma arma dentro da escola. Me senti com muito medo, e a necessidade de sobrevivência falou tão alto, que eu corri como um louco pela Avenida Gabriel Monteiro da Silva, com eles em perseguição alucinada à mim.
Quando num dado momento, numa manobra precisa, eu inverti o sentido da rota, e voltei. Para eles, manobrar um carro para continuar a me perseguir, era quase impossível. Me safei, mas andava naquela região sempre aterrorizado, com a sensação de que a qualquer instante poderia me tornar caça, para esses riquinhos perturbados.
CAPÍTULO VI
Me lembro que só usei kichute porque minha madrinha me deu de presente. Foi então que eu descobri que era a última moda! Eu estava na moda! Porque senão, continuaria usando sapatos de couro e tênis bamba. Para os meus pais, tênis era para fazer aula de educação física, e ponto. Meu pai usava sapatos, e eu, sapatos também. A esta altura devem estar curiosos para saber se eu andava de bicicleta com sapatos de couro? Às vezes….
Minha madrinha, tia Ilda, esposa do tio Domingos irmão do meu pai, era uma mulher com pensamentos um pouco diferentes para a época, e não educava meus primos como se a vida fosse uma carreira militar. Era uma mulher e tanto. Muito bonita, educada, sabia cozinhar divinamente, e aparentemente gostava de mim.
Na verdade não me importava muito, como disse anteriormente, com o mundo em minha volta. Eu sempre estava no meu mundinho particular, dando um rolê no mundinho dos outros. Então, nada mais lógico que eu passear pelo mundo dos outros, digamos, com meu estilo próprio.
All Star era dinheiro jogado fora, segundo eles claro, porque um bamba atendia às necessidades. Me perguntava se alguém se importava com as minhas necessidades, aquelas que vão além de comer bem, lazer, estudo e vestimenta genérica. Meu pai não ligava muito para o preço das coisas, o problema não era esse. A questão era que ele precisava achar necessário as coisas que eu queria. Um exemplo: Eu quis muito ter um tênis all star, acreditem, muito mesmo! Tive mini carro, moto, lancha, Wind Surf, mas nunca tive um all star, nunca. Se fôssemos num restaurante e eu resolvesse pedir três lagostas só para mim, beleza, sem problemas. Com o preço de três lagostas num restaurante eu comprava um bocado de pares de all star.
Comi muita lagosta! Muita! Mas andava de bamba, lembram do bamba?
Essas eram as incoerências da minha vida, sob a gestão conservadora dos meus pais.
Praticamente nada que eu usava para vestir, era legal. Então, eu parecia um jéca vestido!
Isso trazia inúmeros problemas, principalmente com as garotas. Algumas não me olhavam, era como se eu fôsse transparente, invisível. Algumas me olhavam, olhavam até bastante, mas depois de olharem bem, em geral davam risadas ou balançavam a cabeça num ato despretensioso e ao mesmo tempo deselegante de dizer: Coitado!
Isso literalmente acabava comigo.
Certa vez fomos visitar um amigo do meu pai, o Domingos. Apesar da coincidência do nome, porque meu padrinho também se chamava Domingos, eram pessoas muito diferentes. O Domingos, este, era diretor do Banco Itaú onde meu pai tinha conta. Mas o que se deve ressaltar neste momento “Domingos”, é a filha dele.
Uma garota bem mais nova que eu, mas que por algum motivo havia se desenvolvido muito e, apesar dos 13 anos, parecia ter 16. Ela era linda, e eu babáva por ela! Nesse dia, quando eu soube que meu pai ía visitar o tal amigo, fiquei bastante animado e me ofereci para irmos juntos. Eu esperava, claro, poder me arrumar. Por uma calça bem bacana, uma camisa, tomar banho e por um sapato bem legal. Quando fui para o quarto me trocar, ele disse:
“-Não precisa disso não! Vamos embora, estou com pressa!” Nesse momento, caros leitores, é importante eu descrever a situação em que eu me encontrava vestido, visto que estava em casa, à vontade, sem nenhuma pretensão ou necessidade de me arrumar. Era uma calça, digamos, “pula-brejo”, explico: Para quem não sabe o que é uma calça desse tipo, trata-se de uma calça que não cobre o sapato, com pernas mais curtas que as suas pernas, dando aquele aspecto de caipira da roça. Foi com essa calça e uma botina, que eu fui ver a linda filha do amigo do meu pai. Dizer ao meu pai que eu havia desistido de ir, estava fora de questão. Meu pai não aceitava esse tipo de desistência em cima da hora. Então, lá fui eu passar mais uma vergonha. Lembro até hoje a cara da moça. Foi um momento bastante constrangedor. Apesar de eu estar razoavelmente bem entrosado com momentos desse tipo, meus pais sempre se superavam, e conseguiam criar momentos cada vez mais difíceis de enfrentar.
Meus pais andavam bem vestidos, faziam o gênero clássico, mas não davam a mínima importância para o que eu estava vestindo. Óbvio que minhas roupas não eram velhas ou rasgadas, não me entendam mal, mas estavam longe de serem estilosas, e ao invés de valorizarem meu corpo que não era uma belezura, ajudavam a deteriorar minha imagem.
Alguns defendem que eu era super protegido e talvez esta seja uma teoria válida. Sempre me recusei aceitá-la, porque não parecia ser assim, acho que apenas não parecia.
CAPÍTULO VI-1
Meu pai sob a influência da minha mãe, era uma lástima, era altamente influenciável e se tornava um ser tão cartesiano quanto a matemática.
O problema era dissociá-lo dela, da minha mãe eu digo, na prática!
Se eu pudesse fazer compras apenas com ele, provavelmente eu teria sido mais feliz.
Creio que o sofrimento imposto pela pobreza, sobre a minha mãe, a tornou uma mulher muito dura. Não posso culpá-la.
Seria raso considerá-la uma megera, visto que a vida havia moldado ela, a ferro e fogo, para ser o mais pragmática possível.
A vida ensina, nem sempre pela razão, a sermos o que não somos de fato, mas por necessidade, e nos transforma de forma irremediável.
É brutal, é insano, é absoluto e ao mesmo tempo digno de compaixão. Só hoje posso entendê-la e perdoá-la.
Para alguns a pobreza é o combustível para o crescimento pessoal, para outros como ela, é uma ferida aberta que nunca cicatriza, e que deixa marcas eternas.
Creio que ela seria outra pessoa se tivesse feito terapia, mas tratar a mente, na época dela, era indício de loucura e jamais seria admitido.
Uma família de classe média, aceita qualquer tipo de doença, seja coração, fígado, rins, mas doenças da "cachola", são varridas para debaixo do tapete, quiçá, para debaixo do piso, o que torna a limpeza mais eficaz.
Talvez, apenas talvez, se minha mãe não exercesse tanta influência sob ele, eu só andasse de All Star. Digo isso porque, após o falecimento dela, apesar da dor, ele se libertou. Passou a pensar por ele mesmo. Não é conclusivo que fosse um grande pensador, mas a oportunidade, mesmo que tardia, havia causado nele profundas transformações.
Não estou defendendo aqui, em hipótese nenhuma, que a morte da minha mãe tenha sido algo bom, não! Para ele não!
Mas é inegável que ele mudou da água para o vinho depois que ela se foi.
CAPÍTULO VII (Dom, 12 dez, 2021)
Voltando à questão de eu ter sempre a sensação de que nada era novidade; que eu conhecia quase tudo. Devo voltar a esta questão um par de vezes até o final da minha história, não se chateiem.
Um dia entrei na cozinha e o cheiro era realmente muito bom. Minha mãe estava fazendo uma carne, e cheirava muito bem!
O bife era lisinho e chamou minha atenção, então perguntei que carne era aquela, e ela me respondeu: Carne de vitela. Eu nunca tinha comido vitela.
Sentamos à mesa, me servi, e na primeira garfada levada a boca, senti o gosto e imediatamente cuspi no prato!
"Isso é fígado!!!"
Minha mãe, brava disse: Você nunca comeu fígado na sua vida, não tem credencial pra dizer que a vitela que eu fiz é fígado! Você não sabe o que é!
Eu disse: Realmente nunca comi nem vitela nem fígado, mas isto é fígado.
Meu pai segurou levemente o braço dela e disse carinhosamente: Benzinho, não adianta, ele sabe que é fígado, aceite.
E essa coisa do "isso eu já conheço" me acompanha até hoje. De formas diferentes, mas me acompanha.
Eu era o tipo do garoto fresco para comer. Minha alimentação se baseava em arroz, batata, alface e carnes. Eu não comia um legume sequer, nada!
Não tínhamos o costume de comer arroz e feijão em casa. Não sei se meu pai não gostava de feijão ou se ele achava que era comida de pobre. Eu aposto todas as minhas fichas na segunda hipótese. Meu pai tinha uma visão muito simplória a respeito da “riqueza”. Na opinião dele, os ricos provavelmente não comiam arroz e feijão, eles comiam carnes nobres, camarões e bacalhau todos os dias. Então, baseado nessa hipótese, não comíamos arroz e feijão porque era comida de pobre.
Minha mãe fazia muita sopa de legumes, sopa creme de legumes, entendem? Era o jeito que ela encontrava de me fazer comer alimentos que eu considerava "incomíveis". Dessa forma, tudo misturado e batido no liquidificador feito papinha de bebê, eu comia de boa.
Não era meu prato predileto, confesso. Mas eu até que gostava de sopa, principalmente na hora do jantar.
Os pais da idade dos meus, eram de uma geração que acreditava que enlatados e embutidos eram alimentos saudáveis. Então salsichas e linguiças e hambúrgueres congelados, eram constantes na minha alimentação.
Eu era um moleque tão chato para comer, que os pedacinhos de cebola que temperavam o arroz da minha mãe, eu catava um por um. E arroz a grega então? Dava um trabalhão catar todas os pedacinhos de cebola e de cenoura, pra depois comer. Não pensem vocês que vida de gente enjoada é fácil, não é não.
Muitos alimentos eu só fui apreciar depois de muito mais velho. Alguns, eu já tinha filhos grandes quando comecei a comer. Espantoso disso tudo, é que apesar dessa alimentação precária, eu tinha uma boa saúde.
CAPÍTULO VIII
A solução de todos os meus problemas, já estava vaticinada!
Entendam que vou escrevendo conforme vou me lembrando, não há uma ordem cronológica, é em meio ao caos que estou tentando contar-lhes minha história, e por isso muitas vezes, logo após um "ponto final", o que vem a seguir parece "caído do céu". Mas minha vida sempre foi assim: Calma, tranquila e ao mesmo tempo um caos.
Meu pai, em quase todos os seus discursos, vulgo broncas, dizia:
“Quando você completar 18 anos, te dou um carro e você faz o que quiser da sua vida, antes disso, não!”
Isso era dito com cara de bravo, gesticulando muito com as mãos e apontando o dedo indicador da mão direita para o meio do meu nariz.
Então era simples. Bastava eu mentir para agradá-los até fazer os malditos 18 anos. Talvez eu tivesse que continuar mentindo um pouquinho depois dos 18 também, talvez até o resto das nossas vidas, não sei. Nesse momento o plano era sobreviver até os 18, com a mente sã, ganhar o carro, sinônimo de liberdade, e viver a vida. Esse plano foi estabelecido aos 11 ou 12 anos de idade; mãos à obra!
Como os meus dias, semanas, meses e anos que antecederam os 18 anos não eram propriamente de vida e sim de espera, standby, eles custavam muito a passar.
A rotina diária sozinho, vigiado, oprimido, muitas vezes era desgastante. Apesar de eu ter um certo talento para solidão, esta não era uma escolha, era praticamente a única opção.
Até hoje me pergunto se meus pais se questionavam sobre isso nas suas conversas sigilosas, aquelas que os filhos não ouvem. Eu não tenho uma resposta, mas acho que eles não se questionavam. Achavam estar fazendo o melhor, e pela arrogância que lhes era nata, jamais aceitariam estar errados.
Conforme eu crescia e mergulhava mais fundo na minha solitária adolescência, mais eu me tornava um garoto diferente dos demais.
Que eu me lembre, durante toda a minha vida ADD (antes dos dezoito), eu só fui a duas festas em casa de amigos. Numa delas, o pessoal levou 2 garrafões de vinho Sangue de Boi. Eu tomei um monte, mas não fiquei bêbado. O plano era ficar, mas não consegui. Percebi que todos estavam meio altos, e eu não. Então, lancei mão do meu talento de ator, e simulei uma bebedeira. Eu queria muito chamar a atenção. Foi uma péssima ideia. Me fizeram tomar um monte de café amargo e ficar deitado numa rede no terraço do apartamento. Mas, apesar do fracasso da operação “bêbado”, eu de certa forma havia chamado a atenção.
A outra festinha que mencionei, na verdade nem tenho como contar a vocês, porque até hoje são pequenos flashs de um lugar onde tocava música para a molecada dançar juntinho.
Quando eu estava no segundo ou terceiro ano da escola, com 7 ou 8 anos, não me lembro bem, tinha uma garota maravilhosa na minha classe; A Sheila! Vou tentar rapidamente descrever essa deusa. Um menina morena, magrinha, das pernas grossas, risonha, linda, exuberante, maravilhosa. E tinha a Célia, que na minha opinião era a menina mais feia do universo, de todo o universo!
Aí, a professora disse que iríamos dançar quadrilha naquele ano, e estava reunindo os alunos que queriam participar, e iriam ali, formar os pares para os ensaios.
Meu medo: Ser par da Célia.
Meu desejo: Ser par da Sheila.
Então a molecada ía levantando a mão e a professora colocava o indivíduo na fila. Eram duas filas, lado a lado, meninos numa e meninas na outra, o que me fez crer que dali, segundo essa formação, sairiam os pares.
Quando a Sheila levantou a mão, eu que não sou trouxa, levantei a minha também.
Parecia um sonho! Estávamos lado a lado, eu e a Sheila. Um casal perfeito. Para mim, estava líquido e certo que essa era a formação dos casais. Mas não foi bem assim.
Isso era uma fila, melhor, duas filas de interessados, nada mais. A infeliz da professora, depois das duas filas prontas, começou a chamar os pares!
Adivinhem se forem capazes! Eu fiz par com a Célia! Pois é, a vida tem dessas coisas.
Era um martírio ter que dançar com ela, além do que, ela gostava de mim, era bem maior que eu, e quando eu fazia corpo mole ela me batia.
Foram talvez os piores dias da minha vida!
Mas, como diz um bom e velho ditado: A vida dá muitas voltas! E como!
Esclareço:
Estava eu, em torno dos meus 19 anos, no aniversário da minha prima Claudia. De repente entra uma deusa! Uma moça exuberante, linda, maravilhosa, sexy, sensual, divina!
Eu simplesmente não conseguia tirar os meus olhos dela. Até aquele momento era uma das moças mais lindas que eu já tinha visto. Cheguei perto da minha prima e pedi a ela que me apresentasse aquela deusa maravilhosa. De pronto ela chamou a moça e nos apresentou.
Célia! Este é o meu primo Alceu, Alceu esta é minha amiga Célia.
Até então, nesta altura do campeonato, o nome Célia nada dizia para mim. Sentamos lado a lado e começou um longo papo. Parecia que nos conhecíamos desde sempre. Eu estava alí, diante de uma linda garota, que me olhava com um olhar de carinho e sorria para mim.
De repente, ela pergunta quase afirmando: Você fez o primário no Colégio Liceu Eduardo Prado, né? E na hora todas as fichas caíram. Eu disse: Célia, é você? Ela disse sim, sou eu! Eu não podia esconder a vergonha. Parti para a honestidade e disse a ela: Você foi meu maior pesadelo quando éramos crianças, dançar quadrilha com você foi para mim, quase uma tortura. E ela, com um lindo sorriso no rosto me perguntou: E agora, você dançaria?
Eu ri, e disse: Me casava antes para ter absoluta segurança do par.
Demos muitas risadas, ela não ficou nem um pouco chateada. Disse que nunca tinha me esquecido, e que eu havia sido seu primeiro amor de infância.
Não deu em nada, apenas um bom papo de uma festa inteira, nada mais.
Vamos esclarecer aqui quem é a minha prima Claudia. Ela é a filha mais velha dos meus tios, Claudio com a irmã do meu pai, a tia Maria. Além da Claudia, tinha também minha prima Carla, irmã. A Claudia era uma menina focada ao extremo. Desde muito cedo dizia que queria ser médica. Estudava muito, inclusive nas férias, por causa do vestibular de medicina. Nunca se contentou com 8,5 de nota. E obviamente, ela se formou médica.
Mas minha amizade era com a Carla. Não porque era minha prima, mas ela era um espetáculo! Passei uma vida me segurando para não beijar minha prima. Converti esse tesão em amizade, e de fato éramos muito amigos.
Certa vez aconteceu uma situação extremamente delicada, na casa delas, mas desta vez era aniversário da Carla. Vou contar para vocês. Sugiro que antes de continuarem a ler, peguem uma caneca de chá, um que seja calmante, de preferência bem concentrado, respirem fundo e se acomodem em algum lugar confortável. Agora o papo vai ser sério, e muito complicado.
CAPITULO IX
Aniversário da Carla. Cheguei no prédio, região de moema em São Paulo.
Entrei no prédio, e no hall dos elevadores estava, nada mais nada menos que a Flávia.
A Flávia era uma moça muito bonita que eu havia conhecido através de um colega da faculdade. Esse colega falava para todos de uma tal garota com quem ele transava e que era insaciável. Uma prostituta na cama! Uma garota sem limites para sacanagem. Vez ou outra ele aparecia na faculdade, com ar de exausto e dizia para todos que estava muito difícil dar conta da Flávia. Eram muitas horas de sexo puramente animal, e que isso o deixava extremamente cansado. Ele começou a levar amigos da faculdade para conhecer a Flávia, a garota com quem ele fazia sexo da melhor qualidade. Numa dessas visitas à casa dela, fui eu. Conheci a garota no portão, parecia uma moça recatada, até certo ponto ingênua, mas que já sabíamos ser uma prostituta na cama.
E estava eu, agora no prédio da minha prima Carla, aguardando o elevador junto da Flávia.
Demos um “oi” meio sem graça, afinal mal nos conhecíamos. Entramos juntos no elevador e por uma incrível coincidência da vida, estávamos subindo para o mesmo andar.
Por algum motivo o elevador foi parando de andar em andar, e eu perguntei discretamente onde ela estava indo, e ela me respondeu: No aniversário da minha melhor amiga.
Outra coincidência! Eu também estava indo a um aniversário, mas da minha prima.
Descemos no quarto andar e nos dirigimos para a mesma porta. Neste momento foi inevitável, ela tomou a frente e perguntou: Você é primo da Carla? Eu respondi que sim, e ela me contou que eram amigas de colégio de muito tempo.
Entramos juntos. Nesse momento, por conhecer bem meus tios e principalmente minha prima, comecei a duvidar que a Flávia era de fato aquela vadia que o meu amigo de faculdade tanto falava. Me sentei ao lado dela, e começamos a papear. Conversa vai, conversa vem, lá pelas tantas, estávamos muito à vontade um com o outro, ela parou de falar, se entristeceu e me confessou do nada:
“Há anos eu tenho fama de vadia.” Não sei de onde veio isso, não tenho a menor ideia de quem fez essa fama pra mim, mas o fato é que isso me atrapalha e me deixa humilhada.
Eu, nesse momento, sem abrir a boca e quase sem respirar, ouvia atentamente o que ela falava.
“Acredite ou não, Alceu, mas apesar de eu ter fama de vadia, ainda sou virgem!”
Eu não pude me conter. Aquilo tudo que o amigo de faculdade dizia, e que muitas vezes descrevia as relações da forma mais degradante possível, além de ser um abuso, ainda que ela realmente fosse uma vadia degenerada, era a mais deslavada e descarada mentira.
Eu contei a ela, sobre o grande amigo dela, que por coincidência era também meu amigo.
Ela chorava compulsivamente, não conseguia acreditar.
A mãe dela, e essa é a parte mais complicada de tudo, era uma advogada criminal. Ela me ligou fazendo ameaças, dizendo que eu não tinha provas e que poderia ser processado criminalmente por falso testemunho.
Me intimou ir a casa dela para uma acareação com o tal rapaz, vulgo amigo da faculdade.
Sim, porque neste momento eu não conseguia mais ter amizade com o sujeito.
Lá estávamos nós quatro, a Flávia, o rapaz, eu e a mãe da Flávia. Eu repeti olhando na cara do rapaz, tudo que ele falava para nós sobre a Flávia. Ele negava, e a cada negativa, vinha uma enxurrada de ameaças. Eu, ali, sem saber o que fazer.
A mãe dela se levanta e diz: Caso encerrado! Nesse momento me senti preso com pena de mais de 20 anos para cumprir. Ela pediu ao rapaz que se retirasse, e que depois conversariam.
Eu me levantei para sair, mas ela falou firme, alto e em tom de ameaça:
Senta!
Achei que de fato o melhor a fazer era sentar e esperar.
Assim que o rapaz saiu, ela mudou o semblante de “policial do BOP” para uma mulher doce.
Disse ela:
Me perdoe tudo isto. Serviu para provar que de fato você tinha razão, foi ele quem fez isso com a minha filha. Ele se contradisse várias vezes, e a postura de ameaçar você o tempo todo, me convenceu que ele realmente foi o causador disso.
Lamento se lhe ofendi Alceu. Mas estou muito grata!
Este episódio foi um marco importante na minha vida. Eu nunca falei sobre garotas com amigos. Falava sobre relacionamentos, sim. Mas se a gente transava, se a gente corria pelado na rua, se ela me masturbava debaixo da mesa no restaurante, não! Nunca falei com ninguém sobre coisas assim. Muitas vezes os amigos perguntavam, principalmente quando a gente saía pela primeira vez com a menina:
“E aí, rolou um motel?” Eu sempre dizia que não, só um bate papo no barzinho, e chegando na casa dela um beijinho de despedida. Eu nunca contava nada. Porque para a sociedade em que vivemos, nós homens somos considerados “garanhões” por transar com as meninas. Mas as meninas são consideradas “vadias” por transar conosco. Isso, não fui eu que inventei, a sociedade é assim, cruel. Mas eu, não alimentava esse comportamento.
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Esta foi uma degustação do meu livro que em breve será publicado e estará disponível para venda, em versão Kindle.
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