A Olivetti lettera do Sr. Idal


Só quem já teve a oportunidade de usar uma máquina de escrever, sabe o prazer que é voltar no tempo e imprimir num papel suas idéias. Teclas mais pesadas e profundas, um som caracteristico que só elas sabem produzir, e a magia acontece imediatamente.

 

     Tenho uma Remington 25, a primeira de todas, que adquiri há algum tempo, e quando me sento em frente a ela, imediatamente minha linha do tempo volta cerca de 45 anos, quando estas poderosas máquinas eram razoavelmente comuns nas casas das pessoas, mais ou menos como os computadores e smartphones são, nos dias de hoje. A escrita no "modo antigo" tem coisas bastante peculiares, e talvez as mais importantes delas sejam o fato de não haver possibilidades de correções tal qual nos computadores e phones, que você apaga e reescreve infinitas vezes. Neste método de escrita, isso não é possível, você precisa pensar no que vai escrever, organizar suas ideias, preparar o contexto para amarrar tudo de forma que o texto possa ser compreendido, e a outra coisa também muito interessante é o fato de que você precisa saber escrever as palavras.

Acharam estranho o que eu disse? Pois é meus amigos, os atuais corretores ortográficos nos ajudam e ao mesmo tempo nos emburrecem demais. Faça um teste, tente escrever sem nenhum corretor ortográfico e veja a quantidade de palavras que você não saberá como são escritas!

 

     Mas voltando ao tema principal deste texto, as máquinas de escrever em sí, ontem no sábado dia 20 de julho de 2024 fomos até o bairro do Ipiranga, eu e a Ísis, buscar uma Olivetti Lettera 32. É uma máquina criada na década de 60, mas esta em especial foi adquirida na década de 70, portanto ela é uma jovem senhora de 50 anos mais ou menos. Então, levei uma folha de papel para me certificar de que ela estava realmente em bom estado e numa breve verificação, saber quais eram os problemas que ela tinha e o que eu teria que fazer. Minha surpresa foi muito grande ao constatar que ela estava perfeita!

 

     Eu vivo olhando anúncios de máquinas de escrever em diversos sites de vendas, procuro-as, admiro-as, e algumas vezes tenho vontade de comprá-las. Mas ao entrar no market Place do Facebook, esta Lettera acabara de ser aunciada, e imediatamente me deu mais que uma vontade de pertencê-la, um genuíno desejo de que ela viesse morar em minha casa. Sem pensar muito, quase que instintivamente, entrei em contato com a senhora que a anunciou, disse a ela que estava de viagem marcada para muito próximo, e que não havia possibilidade de ver a máquina antes da viagem, mas que assim que voltasse, entraria em contato. Creiam, não é imaginação minha nem tampouco especulação espiritual, mas ela, a Lettera 32 se escondeu em algum canto da vastidão da internet, e ficou quietinha a minha espera. Esta é a única explicação plausível para ela não ter sido comprada antes de mim, durante o período em que eu estava viajando. Antes desta, eu havia entrado em contato com outra vendedora, de outra máquina Olivetti, também em perfeito estado de conservação e que muito me interessou, não a desejei como esta, não foi uma necessidade viceral, mas alguns dias depois já havia sido vendida pelo mesmo valor que adquiri esta. Então, está comprovado, ao menos para mim, que ela tem personalidade e vontade própria e mais a frente irei provar esta tese. Ela não queria ir para outro lugar, queria vir para cá, queria dividir comigo seu tempo, suas experiências, suas vivências, os toques do seu antigo proprietário, os pensamentos dele, suas alegrias e angústias. Ela sabe muito dele, sabe quem era, o que pensava, o que desejava, o que temia. Era sua companheira quase que diária! E foi assim que eu conheci a sua história, a história da máquina que estava prestes a ser minha nova companheira, uma companheira de 50 anos de idade.

 

     O senhor Idal, um dia não sei qual nem onde, entrou numa loja, olhou-a com cuidado e resolveu que ela seria sua mão na escrita, e levou-a para sua casa. Representante comercial, não sei de quê, mas que dividiu parte de sua vida com ela. Quem havia anunciado a Lettera era filha dele, Noemy, a moça que desejava muito escrever nela, mas que só conseguiu realizar seu sonho quando o pai quebrou o braço e precisou que ela o ajudasse a tirar os pedidos, que eram datilografados nesta Olivetti Lettera 32. Vocês podem avaliar o que é adquirir uma máquina que sempre foi de uma mesma pessoa? Ela não é uma simples máquina de escrever muito bem conservada, ela é a máquina do Senhor Idal, falecido no ano 2000, que apartou-se da família e dela.

 

     Quando cheguei em casa, com mais calma, coloquei outra folha de papel nela e fui verificar com mais cuidado, cada detalhe da máquina. Ela tem uma característica na regulagem da escrita, que faz com que as letras minúsculas fiquem no centro das letras maiúsculas, criando assim uma identidade própria, uma espécie de "marca registrada", que qualquer um que ler um texto meu, saberá que foi escrito nesta olivetti Lettera 32, a máquina do Sr. Idal. Entendem isso?

Pedi então para a Noemy, verificar em algum documento do pai, se a escrita também tinha este detalhe, porque pode ter sido uma escolha dele, pode ter acontecido com o tempo uma desregulagem, que ele aceitou como sendo o estilo que ela escolheu para escrever seus pedidos. Será que esta máquina escolheu escrever deste modo para presentear seu antigo dono com uma escrita totalmente personalizada? Ou será que ela assumiu esta identidade no exato momento em que me sentei em frente a ela, dei-lhe um papel para escrita, e ela revelou uma nova identidade, não a que usava quando vivia com o Sr. Idal, mas a identidade que iria tecer nossa história juntos, uma nova história.

 

     Amigos, acreditem ou não, esta máquina tem muita história, que ao longo dos próximos anos iremos compartilhar, as minhas com ela, as dela comigo, seremos confidentes, amigos, ela saberá no meu toque, quando estou escrevendo indignado, quando estou escrevendo feliz, quando estou escrevendo chateado, e ela irá imprimir no papel este sentimento, que passarei a ela ao tocar as teclas, e que ela caprichosamente deixará impresso no papel, como um código, para aqueles que sabem perceber estas questões que ficarão sempre encerradas entre ela e eu.

 

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